“Das war ein Vorspiel nur, dort wo man Bücher verbrennt, verbrennt Man auch am Ende Menschen” (“Isto foi apenas um prelúdio – onde se queimam livros, acabarão por se queimar também pessoas”)
A profética citação de Heinrich Heine, retirada da tragédia “Almansor”, escrita mais de 100 anos antes da Bücherverbrennung – a queima dos livros – encontra-se inscrita numa placa de bronze no Bebelplatz, em Berlim.
É na emblemática Bebelplatz, onde, em maio de 1933, se iniciou a queima de livros pelo regime nazi, que Portugal inaugura uma instalação, no contexto da programação cultural da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia na Alemanha. A iniciativa, que integra a programação proposta pela comissária do projeto “Portugal País Convidado da feira do Livro de Leipzig”, Patrícia Severino, propõe um diálogo entre o memorial do artista israelita Micha Ullman – a biblioteca vazia subterrânea – e a cabine cheia de livros censurados durante a ditadura portuguesa e queimados pelo regime nazi na Alemanha.
Convocam-se dois momentos do século XX, da história da Alemanha e história de Portugal: em 1933, na Alemanha, a queima dos livros e, em Portugal, a instauração da censura prévia. Livros de autores então proibidos e perseguidos em cada um dos países como Anna Seghers, Alfred Döblin, Bertolt Brecht, Heinrich Heine, Herberto Helder, José Cardoso Pires, Judith Teixeira, Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa e Maria Isabel Barreno, Natália Correia, Rosa Luxemburgo, Vergílio Ferreira, entre outros, ocupam agora o espaço onde, na Alemanha, se consubstanciou o início de uma guerra impiedosa contra a arte, a cultura e o pensamento livre.
Em 2022, Portugal apresentar-se-á como País Convidado da Feira do Livro de Leipzig, sob o mote O Encontro Inesperado do Diverso. A escritora portuguesa Maria Gabriela Llansol estabeleceu uma ponte entre Lisboa e Leipzig no seu livro “Lisboaleipzig”, convocando um encontro entre Fernando Pessoa e Johann Sebastian Bach, um encontro inesperado de duas figuras da cultura portuguesa e alemã – da cultura europeia. Também aqui se encontram estes escritores, num ato de celebração da literatura e da liberdade de expressão e pensamento.
Depois de Bebelplatz, a instalação, promovida pela Embaixada de Portugal na Alemanha e pelo Camões Berlim, ficará em exposição no pátio exterior da Biblioteca da capital alemã, na Avenida Unter den Linden. É uma das mais importantes bibliotecas do mundo e um dos maiores edifícios de Berlim. Construída no início do século XX, sofreu danos extensos durante a segunda guerra mundial e uma demolição parcial mais tarde. O seu espaço esteve em obras de renovação durante 16 anos, tendo tido lugar, a 25 de janeiro deste ano, uma cerimónia digital de reabertura que, em rigor, apenas se pôde concretizar no passado dia 4 de junho.